sexta-feira, 10 de julho de 2009

E a USP, hein?! Parte 1

A Truculência e o Desrespeito a Autonomia Universitária

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(Estudantes da USP protestando contra a PM)

Voltemos a falar sério e seriedade envolve nossa discussão sobre a Universidade de São Paulo que comecei há alguns posts atrás. Minha trajetória está marcada pela passagem por essa instituição de ensino e eu não seria/estaria o que sou/onde estou hoje se não fosse por conta dela. Sou oriundo de uma família de classe média baixa de uma cidade do interior de São Paulo, Limeira. Estudei na USP durante 9 anos (1997-2006) e nesse período concluí minha graduação e mestrado. Morei no CRUSP (Conjunto Residencial da USP), tive bolsa de iniciação científica, trabalhei em diversos projetos e tive bolsa de mestrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Também testemunhei durante esse tempo o estabelecimento de uma política de adornamento e fechamento do campus de São Paulo, várias greves, discussões sobre políticas de ação afirmativa, um censo étnico-racial e o impasse que a universidade pública enfrenta ao pensar sua função na sociedade brasileira atual.

Em minha opinião, o que se viu no dia 9 de junho último evidencia a problemática que as universidades, não só no Brasil, mas no mundo todo, vivem atualmente diante do corporativização do ensino superior. Digo no mundo todo porque atualmente curso meu doutorado numa universidade norte-americana, New School for Social Research, e coisas parecidas aconteceram em minha instituição atual meses atrás quando alunos ocuparam um prédio da universidade reivindicando a saída do presidente da universidade. A polícia foi chamada e os alunos foram retirados – alguns debaixo de murros e pontapés – e vários foram presos. Qual a relação entre os ocorridos? Vamos por partes, já diria Jack...

Faculty Meeting at the
(Faculty da New School for Social Research reunida em 1946)

Universidade Como Caso de Polícia

Tanto no caso da USP, em São Paulo, como da New School, em New York City, o que se viu de primeira mão foi um atentado à autonomia universitária. Polícia não pode e nem deve adentrar campi universitários já que isso fere a autonomia de pensamento e ação que a universidade possui. No Brasil, durante o regime militar (1964-1985), muitas vezes o espaço universitário era o único local em que dissidentes e perseguidos políticos conseguiam se refugiar e tinham seus direitos democráticos e humanos respeitados. Mesmo esse espaço foi pra conchinchina em determinados momentos da repressão. O que mais incomoda é que a polícia estava nos campi em ambas as situações sobre solicitação de autoridades universitárias, reitora Suely Vilela e presidente Bob Kerrey, e cumprindo ordem de reintegração de posse ou tentando possibilitar que funcionários montassem piquetes que impedissem o acesso ao trabalho de funcionários que não aderiram a greve. O que isso demonstra é uma grande ausência de responsabilidade, história e senso crítico por parte dos burocratas de alto escalão do ensino superior ao solicitar os serviços de uma instituição truculenta e violenta – no caso do Brasil ainda mal preparada e autoritária – para resolver assuntos de cunho acadêmico. Lembremos Max Weber (1864-1920): o Estado possui o monopólio do uso da força e a polícia é que a instituição que exerce esse monopólio, ou seja, lhe desce a porrada com “otoridade”. Daí eu pergunto: e se alguém morresse - como ocorreu no Irã, fato lembrado aqui por meu amigo Ari Brito - no confronto, quem seria responsabilizado? O Dunha ou a Excelentíssima Reitora Suely Vilela?

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(Ocupação da New School em dezembro de 2008)

Ainda no caso da USP a volta da PM ao campus ocorreu por volta de 1999 quando a mesma foi autorizada a realizar patrulhamentos no interior da instituição sobre o argumento de que o local era refúgio de criminosos. Sempre me perguntei: e para que existe algo chamado guarda universitária? A PM está na USP há tempos e estupros continuam a acontecer, jovens da São Remo – favela localizada ao lado da Cidade Universitária – morrem afogados na raia olímpica, veículos são furtados e tráfico de drogas ainda é realizado. Há algo de podre no reino da Dinamarca, e os “coxinhas” não vão descobrir o que acontece com sua abordagem truculenta que não respeita os direitos individuais de ninguém.

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(Magnífica Excelentíssima Reitora Suely Vilela momentos antes de ler um livrinho básico de auto-ajuda ou da família do além Gasparetto)

Dentro em pouco não haverá mais autonomia para pensar, uma vez que os seminários serão acompanhados por um Capitão Nascimento à porta ou por algum policial disfarçado como ocorria durante o período da repressão. A propósito, outro caso de abuso da PM paulista foi registrado numa operação que durou aproximadamente três meses na favela de Paraisópolis na capital. Os relatos dos moradores que li no site do jornal O Estado de São Paulo chocam por conta da violência, truculência e autoritarismo com que famílias foram ameaçadas, ofendidas, tratadas como criminosos, espancados dentre outros abusos. Mas como a operação se deu numa região pobre e entre os espancados não havia estudantes universitários e nem filhos da classe média e alta branca paulista, pouca atenção se deu ao fato. Já disse Gil e Caetano, “e pobres são como pobres, e todos sabem como se tratam os pretos.” Porrada neles, não há problema, pois ninguém será responsabilizado!

Por outro lado, é necessário reconhecer que o movimento grevista na USP muitas vezes também usou de formas truculentas de coerção aos funcionários que se recusaram a aderir a greve. Pelos relatos que ouvi, carros de som circulavam pelo campus durante todos os dias de paralisação gritando palavras de ordem, salas da Faculdade de Filosofia (FFLCH) nas quais ocorriam aula foram invadidas por grupos de alunos favoráveis a greve e piquetes foram montados no sentido de evitar o acesso ao trabalho de funcionários. A verdade é que essas táticas são, de certa forma, comprovação de algo que, a cada ano que ocorre uma greve na USP, se torna mais claro: o movimento grevista tem apoio minoritário entre estudantes e professores no conjunto total da instituição. A unidade que efetivamente paralisa suas atividades durante as greves é tradicionalmente a FFLCH seguida de serviços básicos como os restaurantes universitários e os ônibus circulares que fazem o transporte de alunos e funcionários dentro do campus. Atenho-me aqui ao universo da Cidade Universitária, na capital, uma vez que não conheço a realidade dos outros campi.

Toda essa situação trouxe mais legitimidade para que a reitora solicitasse a ação da PM no sentido de preservar o patrimônio público e garantir o acesso ao trabalho dos funcionários que não aderiram a greve. Ainda há o fato da imagem da reitora estar desgastada perante a opinião pública e o governador, uma vez que na greve de 2007 a mesma não permitiu que a polícia cumprisse a reintegração de posse do prédio da reitoria que estava ocupada por estudantes a várias semanas. A atitude teria sido criticada por políticos, pelo governador - nosso amigão Serra - e por parte da opinião pública. Entretanto, sua decisão recente de permitir a ação da polícia ainda é passível de questionamento. Continuarei a falar disso nos próximos posts.

Muita Paz!

7 comentários:

Raphael Neves disse...

Você viu que na foto a magnífica reitora está sentada em uma cadeira igual a que a gente usa na Bobst, Kibão? "Nóis" é chique mesmo, hein ladrão?

Márcio Macedo disse...

...hahahahahahaha... Só você mesmo viu, Rapha! Nem vou falar nada porque a Mojana já me acusou no outro post de falar que tudo nos EUA é melhor! Agora, já dormi e babei muito nessas cadeiras da Bosta Library...

Anônimo disse...

Que absurdo! Acusações vazias contra a minha pessoa! Eu não me incomodaria nada se as cadeiras da nossa querida biblioteca Florestan fossem assim, hahahahahahaha.
Mas, sobre a USP, há muitas questões envolvidas no problema, uma delas é a da autonomia, questão especialmente espinhosa numa instituição como a USP.
Eu não conheço a New School por dentro, mas sei que na USP, "autonomia" tem sido sinônimo de "dê-nos dinheiro para que nós façamos o que quisermos da instituição", da mesma forma que "mérito" tem sido sinônimo de "privilégio" para determinados grupos.
Em que medida se pode falar em autonomia universitária em uma universidade como a USP? Lá, a "comunidade universitária" não pode sequer escolher sua direção (E vale lembrar que isso não se resume ao reitor, pois a forma de eleição da reitoria se reproduz estatutariamente em todos os níveis). Financeiramente falando, a universidade é inteiramente dependente do orçamento estadual por meio da dotação do ICMS. A produção científica é financiada pelas agências federais ou pela FAPESP, o que também reduz a liberdade de produção já que cada agência elege certas prioridades para a distribuição dos recursos, conseqüentemente,certas áreas recebem mais dinheiro e logo,podem produzir mais. É lógico que a possibilidade do policiamento literal do pensamento é uma barbaridade, mas não deve ser nossa única preocupação. Como fica a diversidade de opinião e de pensamento quando temos agências de fomento que financiam o que querem e deixam o resto à própria sorte? Ou seja, do meu ponto de vista, a autonomia universitária é bastante relativa e reduzida à administração burocrática.
De fato, que tipo de autonomia se pode ter com uma estrutura como essa?
Uma outra questão é que aquele pensamento que advogava uma universidade socialmente envolvida e transformadora deixou de ser majoritário no nosso meio. Hoje, a universidade (assim como também o é em outras esferas da sociedade) está dividida em grupos que buscam seus interesses individualmente, sem maiores preocupações com o interesse público (ainda que isso dependa de uma definição melhor). O que são o movimento estudantil e o movimento sindical na USP? São movimentos pretensamente revolucionários que não conseguem ultrapassar a superfície dos problemas. Quem é que discute autonomia financeira pra universidade, por exemplo? Toda instituição que recebe dinheiro público deveria, por definição, oferecer contra-partidas condizentes. Nem os moradores da São Remo o HU atende mais. E aí?
Como antiga participante do movimento estudantil eu tive oportunidade de conhecer outros campi e posso afirmar que situação é até pior no interior, pois varia entre a completa imobilidade e o conservadorismo que busca colocar a instituição na contra-mão de qualquer abertura. Fala-se tanto contra a possível privatização da universidade mas "privatização" é o que mais existe no seu interior, na medida em que o espaço e os bens públicos costumam ser utilizados cotidianamente em favor de interesses privados do grupos que assumem o controle desses bens. Um exemplo? Vocês sabiam que o pessoal que tira xerox nas unidades não paga água, nem luz, nem telefone nos espaços que ocupam? Todo esse custo vai pra conta da universidade (sim! a USP paga luz, água e telefone, como todos nós!) e os CA´s e DA´s se apropriam de parte dos lucros (sim! lucra-se muito tirando xerox na USP!) sob a forma de "aluguel do espaço". Assim também acontece com as lanchonetes, que são aquelas maravilhas que todos conhecem. Eu pergunto: isso é privatização ou não é? Só que aqui, o agente não é o "governo perverso" ou a "reitora truculenta" são os estudantes e sindicalistas que colocam o interesse corporativo acima do interesse público, que aqui penso eu, seria um serviço mais eficiente e barato sem onerar a instituição indevidamente.
Bom, vou parar por aqui. Já fui muito antipática, rsrsrs.

Márcio Macedo disse...

Hi Mojana,

Acho que você evidenciou no seu comentário um outro aspecto da autonomia universitário que o meu post não discutiu. Meu texto fez referência a violação da autonomia universitária pela atuação da polícia que foi chamada a atuar com sua truculência no espaço de exceção que são as dependências universitárias. Se os alunos estivessem levando porrada na Paulista, como tantas vezes já levaram, tudo bem. Mas dentro do campus é foda! Minha comparação com a New School se resumia a essa parada da invasão pela polícia e a quebra da segurança, em potencial, que a universidade oferece ou oferecia aos seus pares!

Eu sou totalmente pró autonomia, mas considero cruciais os pontos que você levantou. O problema é que a sociedade civil no Brasil e em SP está destituída de mecanismos que visem monitorar o funcionamento das universidades e de como elas necessariamente utilizam a autonomia e seus recursos. Isso ocorre porque é difícil fazer com que boa parte da população se mobilize em relação em algo que é tão distante da sua realidade. A universidade foi espaço de discussão de toda a população de fato com essa parada das cotas raciais que trouxe o medo da quebra do mérito e da qualidade e a possibilidade de alguns menos aquinhonhados de finalmente conseguir um assento nos bancos universitários.

A discussão é complexa e vai longe!

Beijos,

Márcio/Kibe.

Ari disse...

Discussão complexa significa mais que não se sabe bem quis são os problemas, e que (o que não é paradoxal) não há boas soluções para eles. Melhor então pegar um a um e ver o que se pode fazer. Vc tocou no ponto, e se morrese alguém, aqui ou aí?

Ari disse...

Na outra greve, soube por fonte interna que a reitora sofreu pressões enormes para deixar desocupar à força a reitoria, uma vez tendo cancelado um ataque noturno eem cima da hora... O pessoal quen gosta da força a criticou barbaramente, é bem verdade. Mas a ocupação veio e passou, ninguém morreu (só os ocupantes brigaram entre eles na hora da saída, eu tava lá e vi ao vivo e em cores). Porque mudar de tática? Fraqueza? Teve sorte a reitora, apenas. Vc deve saber da história da Universidade de Kent. Um líder negro da época (e do local), respondeu assim a um manda-chuva daquela Universidade. depois que a Guarda Nacional abriu fogo e matou unas cinco, seis pessoas (não tenho certeza)
e o manda-chuva , atônito, reclamou que ele achava que os fuzis dos soldados estavam sem balas: Os Fuzis estão sempre com balas... É isso....

Márcio Macedo disse...

Ari,

A desculpa agora é que as balas são de borracha!

Abraço,

Márcio/Kibe.