sábado, 13 de fevereiro de 2010

Minhas Relações Promíscuas com Antropólog@s e a Antropologia

prof_155

Dias atrás fuçava na Internet procurando algo e entrei, sei lá por que motivo, no site - odeio o termo "sítio" - de minha antiga universidade: USP. Tomei um susto quando vi a foto acima...  Parece o registro fotográfico daqueles almoços reencontro de família, formatura de curso ou time de futebol prestes a disputar um clássico tipo Itajubá e XV de Piracicaba, né? Mas não, esse aí é o time de professores do Departamento de Antropologia da USP. Suponho, diante do sorrisso de todos, que se trata de uma família feliz!

Não sou antropólogo de formação e o título do post não irá descrever nenhum tipo de sacanagem realizada com meus colegas dessa outra disciplina acadêmica. Geralmente sociólog@s e antropólog@s se unem numa aliança estratégica para satirizar o terceiro ramo da santíssima trindade das ciências sociais, a saber, ciência política. A piada é velha, mas boa: "Se fosse de fato ciência, não precisaria ter 'ciência' no nome" :) Desculpe aí, politicólogos...

Mas vamos as apresentações! Começando da esquerda para a direita, o primeiro é o meu amigo boa praça José Cantor Magnani seguido de meu chará Márcio Silva, Laura Moutinho, Heitor Frúgoli Jr., Beatriz Perrone-Moisés, Sylvia Caiuby, Dominique Gallois, Lilia Schwarcz, Ana Claúdia Marques, Vágner Silva, John Dawsey, Fernanda Peixoto, Júlio Simões, Ana Lúcia Schritzmeyer, Heloísa Almeida, Rose Satiko e Marta Amoroso...  Opa, cadê Renato Sztutman, Kabengele Munanga, Renato Queiroz, Carlos Serrano, Paula Monteiro e Margarida Maria Moura?

A bem da verdade é que nos meus primeiros anos de graduação pensei que me tornaria antropólogo. Meus melhores amigos à época eram Láercio Dias e João Batista Félix (o famoso Batistão!), dois pretos vagabundos que faziam mestrado na antropologia nos idos de 1997. Aliás, Batistão estava bem enrolado com sua pesquisa e tive o prazer de, logo no meu primeiro ano de sociais, fazer algumas incursões etnográficas com o figura. Apliquei alguns questionários na negrada que frequentava o baile Clube da Cidade na Barra Funda.  Batista era também o "ser" que ocupava a extinta sala 14 (uma espécie de laboratório de pesquisa) para desespero dos outros pós-graduandos. Quando eu não tinha nada para fazer ou matava aulas ia para a sala 14 onde ficava ouvindo o CD dos Racionais MCs no talo enquanto Batistão redigia parte da sua qualificação. Ritmo bem negrão de trabalho! O trampo ia pontualmente até às 7 da noite com vários breaks para discussão de assuntos políticos (leia-se movimento negro e relacionamentos inter-raciais). Após esse horário íamos (todo santo dia) tomar umas brejas na cantina do Seo Rafael (sim, havia um bar dentro do prédio de Ciências Sociais/Filosofia!). Definitivamente a molecada de hoje não sabe o que é diversão na USP com essas proibições de cachaça, cigarro e festas dentro do campus. Pois é, minha amizade com Batista rendeu por tempos o inglório apelido de Batistinha devido a sermos patrícios de cor e uma certa semelhança no estilo de cabelo (Batista usa até hoje dreadloks e eu usava tranças naquela época). Não raro perguntavam se eu era filho do negrão... Minha relação tortuosa com a antropologia começa aí!

 http://www.theage.com.au/ffximage/2005/06/03/wbmalinowski_wideweb__430x250.jpg

Pois bem, durante muito tempo fui lido, classificado, rotulado e taxado de antropólogo no espaço das ciências sociais. Isso ocorreu mesmo nunca tendo disputado uma bolsa de iniciação científica nesse departamento. Sempre estive vinculado a sociologia e recebi alguns convites de professores para trabalhar em projetos da ciência política. Entretanto, sempre me deparava com a pergunta: "Mas você não é da antropologia?". Uma vez, contudo, fui citado por minha amiga Luena Pereira para ressaltar a ausência de gente da antropologia no evento: "Até o Kibe, que não é da antropologia, estava lá!".  Acho que três fatores contribuiam para essa identificação com a classe antropológica: o fato de ser negrão, o meu indelével colarzinho de madeira e minha presença sempre frequente nos eventos daquele departamento.

O primeiro fator não é necessário explicar, já que todo negrão é meio artista, revolucionári@ e antropólog@. O colar de madeira?... O segundo fato explicativo é que todo antropólog@ que se preze gosta de uns adereços ou indumentária meio singulares (leia-se étnicos!): um colar de algum grupo indígena pesquisado, vestir branco na sexta-feira, pulseirinha feita em algum lugar distante de pronúncia difícil. E eu tinha (e tenho!) um colar de madeira que me acompanhava desde 1994 quando o comprei numa loja de badulaques no centrão de São Paulo. O colar me alocava na categoria antropólogo antes que eu pudesse abrir a boca e, ao saber disso, bolei um xaveco em cima do acessório. Dizia para as bixetes da sociais logo na primeira semana de aula que a peça vinha passando de geração em geração dentro de minha família representando a linhagem étnica de minha clan africana e que o mesmo estava impregnado de hau (se não sabe o que é, vá ler Marcel Mauss (1872-1950) e Bronislaw Malinowski (1884-1942), esse último o cara pálida da foto acima). Obviamente que as garotinhas, geralmente aspirantes de antropólogas, ficavam suspirantes com a minha mentira antropólogica, mas nunca faturei ninguém com a conversa! Xaveco antropológico não cola...

 http://www.wishtank.org/img/2007/gift/mauss.jpg
 (Marcel Mauss, meio sociólogo meio antropólogo e sobrinho de  Émile Durkheim: ciências sociais se faz em família, meu chapa!)

Por fim, diria que os eventos do departamento de antropologia são os mais divertidos. Era o único departamento na minha época de USP que conseguia reunir estudantes de graduação, pós e professores nos seus eventos mensais tipo Sexta do Mês (uma espécie de seminário mensal em que professores do departamento ou de outras instituições são convidados a falar sobre suas pesquisas). Outra coisa que deve ser elogiada no departamento é a revista dos alunos de pós-graduação, Cadernos de Campo, cuja a qualidade de editoração, artigos e resenhas é de primeira (eu, obviamente, já publiquei lá a resenha do livro de uma antropóloga).

Nem vou dizer que já trabalhei em vários projetos em que os coordenadores eram antropólogos, participei do Núcleo de Antropologia Urbana (NAU/USP) por um tempo, publiquei um artigo num livro recheado de textos de antropólog@s (o título do trampo é Jovens na Metrópole [2007], leia uma resenha do mesmo AQUI) e cujo o único sociólogo era eu, tive dois antropólogos na minha banca de defesa de mestrado e já resenhei um monte de livros cujo os autores são antropólogos...

Credo, quanta antropologia e nostalgia da sociais. Vou parar por aqui, tô ficando velho!

Muita Paz!

PS: a propósito, estou escrevendo a resenha do último livro de Marshal Sallins e, devo dizer, as antropólogas são as intelectuais mais charmosas que já conheci! Elas sempre tem alguma aventura para contar do último campo que fizeram. Aliás, com qual outro tipo de mulher você pode puxar conversa citando o kula sem levar um tapa na cara?