domingo, 31 de outubro de 2010

Quando o Tema é Aborto...



Hoje é Halloween nos EUA e tem eleição presidencial no Brasil. O debate nas semanas anteriores ao segundo turno acabou resvalando para a discussão sobre o aborto. É positivo que os candidatos discutam essa tema polêmico e controvertido, mas não da forma como tem se dado. Deixo de antemão avisado que esse blog é a favor da legalização do aborto. Ninguém tem o direito de decidir sobre o corpo de uma mulher senão ela própria. O texto que segue é de autoria de minha Francirosy Ferreira (foto abaixo): antropóloga, professora do Departamento de Psicologia da USP (campus Ribeirão Preto) e pesquisadora de comunidades muçulmanas. Saiba mais sobre a moça visitando a página pessoal dela AQUI  O artigo foi originalmente publicado no Jornal da USP de Ribeirão Preto, n. 993,  dia 25 de Outubro, de 2010. Leiam e discutam!

Muita Paz!

Anti Anti-Relativismo: Política, Religião e Saúde Pública, Quando o Tema é o Aborto


Francirosy Ferreira

O texto da aula de antropologia "Anti anti-relativismo" do antropólogo americano Clifford Geertz, que debati com os meus alunos de psicologia recentemente veio a calhar na discussão da semana que mistura política, religião e saúde pública: a questão do aborto.

Votar ou não votar em um candidato que é a favor do aborto? Será mesmo que esta é questão a ser colocada? Geertz escreve: "Aqueles de nós que nos opomos ao aumento das restrições legais ao aborto não somos, pelo o que eu entendo, pró-aborto, no sentido de o considerar uma coisa maravilhosa e achar que, quanto maior o índice de abortos, maior será o bem-estar social; somos 'anti-anti-pró-aborto', por razões bem diferentes, que não preciso enumerar?"

 

Portanto, não se trata de ser contra ou a favor do aborto, pois nenhum dos dois candidatos tem poder suficiente para implementar qualquer lei, sem a participação do Congresso e do Senado e, quiçá, da sociedade. Trata-se de uma questão de ética privada e simultaneamente de saúde pública. Atualmente a legislação brasileira prevê a prática do aborto em duas situações: quando há risco à vida da mulher (o chamado "aborto necessário") e/ou quando a gravidez resulta de estupro. Isto não quer dizer que basta mencionar que houve estupro ou que a mulher corre risco de vida. Ela tem que se submeter a inúmeras entrevistas com especialistas, exames médicos, etc. Tudo para consubstanciar o referido pedido.

Uma pesquisa nacional coordenada pela antropóloga Débora Diniz (UNB e Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) e por Marcelo Medeiros (UNB, Anis), pergunta: Você já fez Aborto? Foram entrevistadas 2002 mulheres alfabetizadas, com idade entre 18 e 39 anos em 2010. Constatou-se que ao completar 40 anos cerca de uma em cada cinco (mais exatamente 22%) das mulheres já fez um abordo. Cerca de metade das mulheres que fizeram aborto recorrem ao sistema de saúde e foram internadas por complicações relacionadas ao aborto.

Construir superficialmente um debate contra ou a favor, é colocar por debaixo do tapete um tema caro à saúde da mulher e às questões de gênero. Novamente as mulheres não são ouvidas. Religiosos (interessante lembrar que são religiosos homens - padres e pastores - que se manifestam publicamente e não mulheres) e políticos opinam (igualmente são os homens que tomam a palavra), mas se esquecem a quem realmente interessa esta questão: A Mulher!

Se o tema é de fórum íntimo, cada pessoa deve poder decidir a partir do que acredita o que é melhor para si, mas é também, um tema que deve ser tratado no âmbito da saúde pública. A pesquisa de Diniz e Medeiros revela que boa parte das mulheres que já fizeram aborto se dizem católicas, evangélicas, etc. O fato de ser proibido pela religião católica e evangélica e pela lei não impede as mulheres de abortarem. A diferença é que as de classe média podem pagar clínicas de melhor qualidade e as mulheres pobres se submetem a procedimentos que colocam sua vida em risco.

 

Os candidatos à presidência apregoam um "novo discurso" para poderem ser eleitos, juntam-se ao discurso moralizante, acalorado pelas posições da igreja que até podem ser legítimas do ponto de vista da crença deles, mas o que está em jogo é a eleição de um presidente que deve ter uma visão muito mais ampla da sociedade e não usar um tema tão sério como moeda de troca de votos. Vale ainda lembrar que há muito tempo existe no Brasil a separação entre Estado e Igreja. O Estado no Brasil é laico e assim deve continuar. Ao colocar a Igreja determinando o Estado a sociedade caminha em sentido inverso ao das políticas públicas que pensam a saúde da mulher.

O candidato José Serra quando foi ministro da saúde em 1998, assinou norma técnica que orienta método de aborto em casos de estupro, mas em sabatina realizada pela Folha de São Paulo em 2002, lembrou que foi "muito atacado por isso". Hoje nega veemente aprovar o aborto. A candidata Dilma Rousseff é outra que se sentiu prejudicada nos votos obtidos no primeiro turno, por conta de supostamente defender o aborto. Em vários depoimentos dados à imprensa podemos constatar que a candidata não aprova a pratica, assim como o presidente da República. Ambos relativizam suas posições para angariarem votos, mas se esquecem das mulheres...

É fundamental neste momento não nos restringirmos a verdades caseiras, como bem, alerta Geertz, e pensarmos mais amplamente os problemas que afetam as mulheres. É fundamental nos sensibilizarmos com a situação que está posta, caso contrário, o melhor mesmo é ficar em casa.