sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Retrato em Preto e Branco

O nome dele é Walter Hupsel (foto ao lado), mas só passei a chamá-lo de Walter quando me mudei pra NYC e restabelecemos contato via Facebook. Pra mim o senhor Hupsel sempre foi Salvadô, devido a origem soteropolitana desse baiano branco. Aliás, muita gente acha que eles não existem, mas eles existem sim. E o mais legal é que Salvadô não tem nenhum problema em ser branco e baiano. By the way, nos encontramos em 1997 na Fefeléchi/USP, onde Salvadô estava um ano a frente no curso de ciências sociais. Era um tempo em que ainda se vendia cerveja e cigarro, produtos tão essenciais a produção intelectual assim como o café, na cantina da faculdade. Bons tempos! Atualmente meu truta é doutorando em ciência política pela USP e professor na Faculdade Santa Marcelina. O texto abaixo é de sua autoria e foi publicado na coluna Política On The Rocks, que o rapaz escreve semanalmente no Yahoo! Brasil  Por fim, vai Bahêa!!! Muita Paz, Muito Amor!

RETRATO EM PRETO E BRANCO
 
Quando os Estados nacionais começaram a se consolidar precisaram construir uma narrativa sobe si mesmos que os diferenciasse dos outros. Os Estados Unidos, carentes de mão de obra e com um imenso território hostil, criaram o mito da “Terra da Oportunidade”, onde qualquer um, caso se esforçasse, conseguiria sucesso. Aqui, criamos vários mitos, e o que mais persiste é o das “três raças” que convivem harmoniosamente.

Esta falácia brasileira encontra adeptos até hoje, que insistem em dizer que não existe racismo entre nós e a discriminação seria, no máximo, de carácter socioeconômico. Nessa linha, haveria uma discriminação contra os pobres (potencialmente ladrões) que, por uma tristeza histórica, por um legado de mais de cem anos nunca encarado de frente, são maioritariamente negros. Isso aplaca nossa culpa e joga nosso racismo para baixo do tapete, transformando-o numa coisa mais palatável.

Esta tese foi repetida exaustivamente quando do debate sobre as cotas raciais. “Não somos racistas, não há discriminação racial, portanto, as cotas, ao invés de solucionarem um problema, o criarão”. Em suma é este o pensamento de Ali Kamel e seu pupilos, Arnaldo Jabor e Demétrio Magnoli (este último brilhantemente refutado, com requintes de crueldade, pelo professor do Departamento de Antropologia da USP, Kabengele Munanga [foto abaixo]).

Somos cordiais, amigos, sambistas por excelência, boleiros desde o nascimento, despidos de qualquer racismo. Quem insiste no contrário é porque quer dividir este povo tão amável! Mas eles esqueceram de combinar com a Agência Estado. Uma matéria publicada na úlitma terça-feira (08) mencionava que somos mais exigentes que os gringos na hora de adotar uma criança. “Segundo dados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), quase 100% dos casais brasileiros recusam crianças negras, pardas e indígenas, enquanto 77% dos estrangeiros são indiferentes à cor da pele.”

Aqui, nesta simples matéria, o racismo é desmascarado duplamente. Vejamos a proporção. Quase 100% dos possíveis pais adotivos brasileiros não adotam crianças que não sejam brancas. Para os estrangeiros, isso fica em torno de 23%.
 
A verdade, no entanto, se revela quanto mais se tenta escondê-la. Digamos que isto seja um famoso “ato falho”. A matéria fala que somos “mais exigentes” que os gringos. Numa primeira leitura imaginei algo mais irrelevante como exigência, talvez a idade. Pais adotivos quereriam bebês, e não crianças, ou não querem que o bebe seja fruto de um incesto…

Mas não, os casais brasileiros se recusam a adotar não-brancos e condenam os milhares de recém-nascidos negros, pardos ou indígenas a uma vida em orfanato simplesmente por serem… negros, pardos ou indígenas!
 
Segundo a mesma matéria, temos hoje 31.000 mil casais querendo adotar, ansiosos por ter um filho, e apenas 8000 crianças para adoção. Mas não tão ansiosos assim, afinal somos um povo criterioso, exigente, não nos contentamos com qualquer criança. Ela tem que ter saúde, ser fruto de uma relação saudável… e, a maior das exigências: ser branca.

A reportagem se refere exatamente a isso, em uma linguagem criteriosamente escolhida para tentar esconder o enorme preconceito e, por isso mesmo, o revela. Num jogo de mostra-e-esconde, tentamos esconder nosso racismo, mas revelamos, como nunca, nossa hipocrisia.