quarta-feira, 29 de junho de 2011

O/As Preto/as Gringo/as São Mais Bonito/as?

Lembro-me bem de uma amiga brasileira negra que me visitou em NYC tempos atrás e ao andar pelas ruas da Big Apple não se cansava de se encantar com a beldade dos pretões americanos. "Ai, mas eles são tão lindos, né? No Brasil a gente não vê preto assim..." Pois bem, algumas senhoritas irão afirmar que minha dignidade como negrão brazuca havia sido ofendida e eis o motivo do meu incomodo com as afirmações de minha trutona. Digamos que em parte sim, não é nada fácil ouvir esse tipo de comentário e não sentir uma pontinha de despeito no bico do beiço preto. Felizmente, para salvar a honra de patrício/as de cor oriundos da terra brasilis tenho argumentos para afirmar que meus/minhas trutinhas gringo/as não são nem mais bonitos ou evoluídos do que as versões sul-americanas da diáspora africana. Talvez os vagabundos do norte possam ser mais cheirosos, bem vestidos e produzidos. Vamos lá, espero ser convincente!
 
A melhor definição que já tive a respeito da população negra ao redor do mundo veio a mim por meio de um brother bêbado em um fim de noite numa festa no Brooklyn: "Black people man, same shit different toilet". Okay, tradução não é necessária, não? Junte essa pérola a definição uma vez dada pelo antropólogo brasileiro Roberto DaMatta a figura do turista: um digníssimo "palerma cultural".  Enfim, turistas, na maioria das vezes, se deixam se levar pelos estereótipos e primeiras impressões daquilo que veem nos lugares que visitam. Eles não tem tempo e nem interesse de chegar a uma representação um pouco mais precisa da realidade. Nesse processo, a comparação do local visitado com o lócus de origem do "palerma cultural" é inevitável. É tudo fica numa lógica de melhor ou pior do que meu país, mais bonito ou mais feio.  Já ouvi as mais absurdas e variadas explicações para justificar uma suposta maior beleza dos meus/minhas patrício/as gringo/as. Dessas a mais comum, culturalista e sofisticada é aquela que afirma que a negraiada nos EUA é mais bela devido aos grupos étnicos que para lá foram levados no período do tráfico negreiro e escravidão. Well, sinceramente esse argumento não me convence uma vez que ele parte da suposição que existem grupos étnicos que são mais belos do que outros e que ocorreria a predominância de determinados grupos em certas regiões da diáspora africana. Mais e mais historiadores tem demonstrado que a prática vigente entre os traficantes de escravos era justamente de misturar indivíduos de grupos étnicos distintos e que falavam línguas diferentes visando evitar a comunicação entre os escravos e frustrando a organização de levantes/revoltas.
 
Mas minha explicação para a "suposta" maior beleza dos preto/as gringo/as está vinculada a uma representação criada a respeito dos afro-americanos e que é produto da posição estratégica dos negros norte-americanos ou de fala inglesa como um todo na geografia do capitalismo mundial. Primeiro, é necessário afirmar que a lógica do racismo norte-americano é segregacionista, ou seja, ele forçou uma separação histórica entre negros e brancos. A segregação dos negros foi responsável pela etnogênese de uma subcultura afro-americana na qual floresceram elementos culturais como o blues, o jazz, uma forma específica de se falar inglês e uma corporalidade diferenciada. A segregação e a cultura afro-americana também forjaram estratégicas de atuação política entre as lideranças negras e noções de orgulho racial. Pari passu a isso, afro-americanos e vários elementos da sua cultura tiveram e tem um papel proeminente na indústria cultural que se expandiu no pós-guerra e que teve como epicentro os Estados Unidos. Em outras palavras, muito do que foi e é classificado como cool (legal/descolado) nas últimas décadas foi e é associado as populações negras de fala inglesa que estão alocadas no eixo Nova York-Kingston-Londres. Alguns autores falam até mesmo de uma globalização negra que viria ocorrendo nos últimos 20 anos. Assim, a experiência de se chegar a Nova York e se deparar com negros andando pelas ruas do Harlem ou Bed-Stuy em um país onde o acesso ao consumo é a porta de entrada de participação na sociedade fornece a impressão de que nossos patrícios gringos são os portadores de um estilo de vida mais evoluído ou, ainda, de que são mais bonitos e descolados. Contudo, a experiência afro-americana expõe as contradições de ser uma população explorada e marginalizada no centro do capitalismo mais avançado do mundo e numa nação que os padrões de pobreza são relativamente diferentes dos vistos em lugares como a América do Sul ou continente africano (pense na experiência de ir numa favela no Rio de Janeiro, nos antigos bantustões em Joanesburgo e num project em Nova York). Toda vez que ando por esses bairros de maioria negra na Big Apple tenho a impressão de estar me deparando com meus/minhas amigo/as preto/as e familiares que deixei no Brasil tamanha a semelhança. Por fim, concordo com a sabedoria alcoolizada de meu brother: "Black people man, same shit different toilet". 

Paz e Amor!