segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Humor no Brasil: Nota 0!

 
E o humor vai mal no Brasil. Nem vou comentar os programas televisivos como Pânico na TV e CQC, pois para mim continuam presos numa fórmula de humor cunhada nos anos 1980/1990. Entretanto, numa época em que celebramos as conquistas dos movimentos negro, gay e feminista, a maior parte dos quadros de humor veiculados na web ainda se baseiam em material que caricaturam ou ridicularizam mulheres, homossexuais, negros e judeus. Esses dois últimos grupos numa proporção um pouco menor, já que a lei anti-racismo tem funcionado meio que como um semáforo ligado no vermelho para comediantes. Mesmo assim ainda ocorrem casos como a da Mulher Feijoada (assista AQUI) e as piadinhas de Danilo Gentili no Twitter sobre pretos e judeus.  Já dissertei um pouco sobre esse tema aqui no blog (leia AQUI). Mas acho super estranho que quadros meio esdrúxulos que só repetem palavrões, grosserias e preconceitos façam tanto sucesso entre as pessoas. Há vários teorias elaboradas sobre o que nos faz rir, qual é a função do riso e o que é e o que não passível de ser material para piadas. Por exemplo: é justo um comediante homem fazer piadas sobre estupro contra mulheres? Uma mulher que ri de uma piada deste tipo está legitimando esse tipo de ação? Tudo depende. A piada pode ser crítica ao crime de estupro e o contexto na qual ela é realizada irá demarcar a sua interpretação pelas pessoas, sejam elas homens ou mulheres.  O que é certo é que o humor é uma zona de sombra onde assuntos delicados e tabus podem ser tratados de forma espontânea e, supostamente, livre de julgamentos morais. É como se estívessemos num espaço/momento de exceção moral.



Mas a história é bem mais complicada. Exemplo disso é que as piadas em determinados contextos são utilizadas no sentido de (re)estabelecer uma hierarquia social sobre os grupos ridicularizados (negros, mulheres, homossexuais, judeus, portugueses, etc.) se utilizando estrategicamente do espaço de comforto propiciado pelo humor (caso bastante frequente no Brasil). Mas o que é interessante em alguns comediantes brasileiros atuais é que os mesmos passam uma mensagem subliminar que poucas vezes é notada pelas pessoas que os assistem. Há preconceitos de classe, raça, gênero e orientação sexual embutido nos quadros e eles são construídos não só através do texto da piada, mas na própria apresentação dos comediantes. E isso tem muito haver com a ascensão de novas classes sociais - a tão discutida classe C - a novos padrões de consumo e certo reconhecimento social ganho nos últimos anos. Um comediante como Gil Brother (foto acima) - ex Hermes e Renato e agora com um canal na Internet, Canal Away - ridiculariza a si mesmo como um negro, de dreadlocks, usando terno e gravata, mas que, mesmo não dominando o padrão culto da língua portuguesa/inglesa, se vê no direito de emitir opiniões sobre assuntos do dia. A opinião de Brother geralmente se baseia em constatações corretas do que ocorre como problemas sociais ou fatos da grande mídia, mas suas soluções sempre descanbam para o absurdo, autoritário e violento que é recheado por palavrões que supostamente evidenciariam a indignação do mesmo. Assista vídeo logo abaixo:



Mas a história pessoal/real de Jaime Gil da Costa, nome real de Gil Brother, é a mesma história de negros pobres brasileiros. Sua tumutualda e não esclarecida relação com o pessoal do grupo Hermes e Renato também fornece claros sinais de como pobres e negros são tratados nas margens da ilegalidade/informalidade/intimidade (leia AQUI reportagem da revista Trip na qual a polêmica é revelada: versões da história à parte, o fato é que o mesmo trabalhava sem contrato para a ex trumpe da MTV). A pergunta enfim é: o que nos faz rir em Gil Brother? Suas piadas ou sua ridicularidade que envolve o fato de ser a representação de um negro pobre, cego de um olho, semi-escolarizado e ignorante com cara de doidão vestindo terno e dando opiniões esdrúxulas sobre assuntos do dia? Pense e responda...

 

Pois bem, quase na mesma linha é o caso do quadro do comediante mineiro Gustavo Mendes (foto acima) em cima da figura da presidenta Dilma Rousseff. O próprio fato de ter um homem travestido de mulher para imitar a presidenta já demonstra de antemão os traços misóginos sobre os quais a piada irá se desenvolver. O que está por trás do quadro é uma tentativa de criar comicidade no desencontro entre a representação de mulher veiculada na sociedade como bela, meiga, heterossexual, carinhosa e voltada apenas para atividades tidas como frívolas com a necessidade de pulso firme que cargos políticos geralmente exigem. Esse é um dilema que todas as mulheres que assumem posições majoritariamente dominadas por homens se veem diante. No sentido de "bagunçar" a representação de gênero e criar riso, o comediante expõe uma "Dilma" firme e desbocada, deslocando-a de uma suposta feminilidade e a apresentando-a como masculinizada. O resultado final já é previsto: depois de tantos palavrões e esporros, a presidenta não pode ser mais uma mulher "feminina" e sua performance de gênero a leva ao estereótipo da lésbica masculinizada, pejorativamente conhecida como "sapatão" ou "Maria João". Assista o vídeo AQUI
 
Por fim, vale a pena refletir sobre a experiência de uma web serie norte-americana que considero um bom exemplo de como fazer humor livre de estereótipos e/ou brincando com eles de forma inteligente. The Misadventures of Awkward Black Girl conta com 7 episódios feitos de forma totalmente independente por Issa Rae e um grupo de jovens atores e produtores. Os episódios foram veiculados pela Internet e fizeram um sucesso estrondoso no primeiro semestre desse ano. Visando dar continuidade ao projeto Rae e seu grupo começaram uma campanha para arrecadar doações em dinheiro pela web e a soma conseguida foi em torno de US$ 40.000 que financiará mais outros 5 episódios.  O show vai um pouco na linha de séries como 30 Rock, Curb Your Enthusiasm e The Office .  Assista o primeiro vídeo da parada AQUI (infelizmente não há legendas em português).

Paz!