segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

"12 Anos de Escravidão": violência, sexo, repulsa, atração e política.


Dias atrás assisti o filme do diretor britânico Steve McQueen, 12 Anos de Escravidão ("12 Years a Slave"). Muito tem sido falado a respeito dessa película e da ausência em Hollywood de bons filmes sobre a escravidão africana nas Américas. Tenho algumas opiniões sobre os dois pontos.

Sobre o filme, diria que é bom, mas nada espetacular. O roteiro foi baseado no relato verídico Twelve Years a Slave (1853) de Solomon Northup (interpretado no filme pelo ator inglês Chiwetel Ejiofor) negro livre de Nova York que em 1841 foi sequestrado em Washington D.C. e, posteriormente, vendido como escravo na Louisiana, sul dos Estados Unidos. Há muitas cenas de violência no filme como os castigos corporais nos quais os/as escravizados/as eram submetidos/as, estupros e todas as práticas bárbaras que faziam parte do processo de desumanização instaurado pela escravidão. Em minha opinião, o ponto mais interessante da história é a relação entre os personagens de Michael Fassbender e da atriz queniana Lupita Nyong'o. Fassbender interpreta o senhor de escravos que estabelece uma relação sádica de repulsa e atração pela escravizada interpretada por Nyong'o. Impossibilitado pela lógica do sistema escravista de demonstrar sua atração pela escrava, o senhor de engenho canaliza sua ira contra ela estuprando e castigando-a de forma cruel. A relação se transforma em sadismo por parte do personagem de Fassbender que passa a sentir prazer sexual ao martirizar fisicamente a escravizada. A propósito, o universo sexualizado da película e o ritmo lento da narrativa podem ser vistos como a assinatura do diretor McQueen. Basta assistir Shame, filme do mesmo diretor datado de 2011, para identificar esses dois traços.


Mas por que não existem bons filmes sobre a escravidão? Não é algo fácil de responder, mas não custa nada tentar. Talvez valha a pena respondê-la formulando outra pergunta: por que há tantos filmes sobre o holocausto? É justamente aí que entra a política da indústria de cinema de Hollywood. A escravidão é um tema ainda tabu, pois remete a um período vergonhoso da história de países que foram escravistas e/ou se beneficiaram de alguma forma da escravidão ou do tráfico negreiro. E falar de escravidão é falar da relação violenta e de subjulgação de brancos/as em relação a negro/as, tema que a maioria das pessoas prefere evitar. Fazer filmes sobre o holocausto no entanto é mais confortável para Hollywood considerando que esse genocídio ocorreu na distante Alemanha nazista,  num evento (Segunda Guerra Mundial) histórico recente e no qual norte americanos se saíram como os grandes mocinhos. Há também de se considerar o lobby e a presença de diretores pertencentes à comunidade judaica na indústria de entretenimento americana além do papel identitário que o holocausto passou a ter para judeus de todo o mundo.

Por fim, é necessário lembrar de um argumento levantado pelo filósofo francês Jean Paul Sartre (1905-1980) no seu livro Reflexões Sobre o Racismo. Sartre compara o tipo de discriminação sofrida por negros e judeus e afirma que a despeito de ambos serem vítimas de preconceito, judeus são socialmente vistos como brancos. Considerando que no racismo ocorre um processo de naturalização do/as negros como pobres, feios, menos inteligentes etc., é mais fácil sentir compaixão por aqueles/as que, mesmo submetidos/as à desumanização, estão mais próximos ou dentro do padrão normativo: branco/as. Exemplo do que falo pode ser visto no caso recente do "mendingo gato" de Curitiba ou quando pessoas se surpreendem ao verem crianças abandonadas não negras e/ou mestiças. Enfim,  acho que uma mistura de todos esses elementos explicam porque um filme sobre holocausto é mais fácil de ser produzido e arregimenta mais público do que aqueles que retratam a escravidão.


Ainda em tempo: enquanto escrevia esse post, 12 Anos de Escravidão faturou o Globo de Ouro como melhor filme de drama. Assista abaixo o trailer do filme que deve entrar em cartaz nos cinemas brasileiros em fevereiro.

Muita Paz Muito Amor!